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Prazo prescricional e reequilíbrio de concessão. O que o TCU acabou de decidir?

Por Denis Austin Gamell


O TCU proferiu decisão (Acórdão nº 971/2023-Plenário, Rel. Min. Antonio Anastasia) sobre o prazo prescricional das recomposições do equilíbrio econômico-financeiro em contratos de concessão. Na ocasião, o tribunal decidiu: (i) o prazo prescricional aplicável; (ii) o termo inicial de contagem do prazo; e (iii) os requisitos para autorizar a revisão extraordinária. O julgado tem o potencial de impactar diversos contratos de concessão no âmbito federal, mas traz consigo uma série de afirmações controvertidas.


Comentaremos a seguir os itens (i) e (ii), pois há poucos escritos sobre prescrição em matéria de reequilíbrio, assim o tema é mais do que relevante. Quanto ao item (iii) será tratado em artigo à parte.


O caso consistiu na representação contra decisão da ANAC que reconheceu o direito à revisão extraordinária do Contrato de Concessão do Aeroporto do Galeão (GIG) em razão da ausência de reajuste das tarifas de armazenagem e de capatazia desde a celebração do contrato.


Segundo o tribunal, o reequilíbrio em favor da Concessionária só poderia abranger o último quinquênio anterior ao pleito administrativo, razão pela qual a decisão da Agência deveria ser “reavaliada” – um termo mais suave para anulação.


Assim, não só foi adotado o prazo prescricional de 5 anos (o famoso “lustro”) previsto no Decreto 20.910/32 como foi afastada a teoria da actio nata subjetiva segundo a qual o prazo prescricional conta-se a partir da ciência inequívoca de toda a extensão do fato danoso.

Por um lado, a definição do prazo prescricional aplicável é importante, porque confere segurança e previsibilidade. Por outro lado, a pretensão de reequilíbrio não se confunde com uma simples obrigação de trato sucessivo (marcada por prestações singulares sucessivas): eventos de desequilíbrio podem ter efeitos parcialmente ocultos e contínuos sobre o fluxo de caixa da Concessão, de modo que o real impacto só venha a ser completamente conhecido tempos depois.


Um exemplo: uma variação negativa na demanda, em princípio, pode ser considerada um evento de risco assumido pela Concessionária dentro da alocação contratual. Todavia, a observação de um comportamento persistente e distinto da demanda - o que se torna possível apenas com o consumo de tempo em uma investigação do tipo eliminação de hipóteses - pode vir a ter sua causa descoberta em um fato do príncipe que modificou o padrão de comportamento dos usuários, sem que isso fosse originalmente cogitado sequer pelo Poder Concedente.


Além disso, ao determinar a anulação da decisão da Agência, foi simplesmente ignorada uma regra fundamental: a prescrição não atinge o direito, mas tão somente a pretensão de persegui-lo judicialmente. De tal forma isso é verdadeiro que, se um débito cuja pretensão foi atingida pela prescrição vier a ser pago pelo devedor, não há enriquecimento sem causa e, logo, não há direito à repetição do indébitoi. Ora, se não há ilegalidade, por que se anulou a decisão?


Com relação ao afastamento da teoria da actio nata subjetiva, para definir que prazo prescricional começa de cada evento danoso, aqui novamente está presente o problema dos eventos cujo efeito é duradouro, porém só têm sua causa descoberta com uma atenta observação da dinâmica contratual ao longo do tempo. Não foi outra coisa que aconteceu no caso concreto, como admitiu a própria ANACii.


Muitas vezes a busca por descobrir aquilo que está impactando negativamente o equilíbrio só começa quando o cenário que se apresenta adiante vai se mostrando economicamente mais desafiador. O investidor, geralmente, prefere a estabilidade a entrar em embates incertos, bem como busca preservar o relacionamento com o Concedente. Daí porque, usualmente, posterga-se a apresentação de pleito de reequilíbrio. Se prevalecer o novo entendimento do TCU sobre prescrição, no entanto, espera-se uma reversão dessa tendência.


Para evitar o lapso prescricional, é importante que as concessionárias passem a monitorar com proximidade os eventos de desequilíbrio e, na dúvida, talvez seja mais prudente já apresentar o pleito para evitar a perda do direito de ação, até porque, na esfera administrativa, não haverá qualquer tipo de sucumbência caso o pleito seja rejeitado.


Por fim e a título de conclusão, caso eventuais conflitos envolvendo prescrição em reequilíbrio sejam suscitadas, a maior parte dos contratos já prevê como mecanismo de solução de controvérsias a arbitragem. Assim, o Tribunal Arbitral que vier a se debruçar sobre pleitos de reequilíbrio não está adstrito aos entendimentos do TCU, porquanto, nos termos do art. 18, da Lei nº 9.307/96: “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”iii


i Como ensina Humberto Theodoro Jr.: “Não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica com-prometido pela prescrição. O direito subjetivo, embora desguarnecido da pretensão, subsiste, ainda que de maneira débil (porque não amparado pelo direito de forçar o seu cumprimento pelas vias jurisdicio-nais), tanto que, se o devedor se dispuser a cumpri-lo, o pagamento será válido e eficaz, não autorizando repetição de indébito (art. 882), e se demandado em juízo, o devedor não arguir a prescrição, o juiz não poderá reconhecê-la de ofício.” (Prescrição e Decadência, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 18).

ii Segundo o Ofício nº 471/2022/GAB-ANAC, a Agência justificou: “Destaca-se, inicialmente, que a Decisão nº 554 abordou discussão técnica inédita, nunca enfrentada pela Agência, nos quase dez anos em que os valores dos contratos de concessão foram reequilibrados. Nesta esteira, concluiu a Diretoria, por maioria de seus membros, que nenhum dos agentes envolvidos com o desenvolvimento e com a gestão dos con-tratos de concessão tinha clareza da extensão da obrigação do Poder Concedente de reajustar as tari-fas/cobranças mínimas.”

iii Não é demais relembrar o conceito de jurisdição, nas palavras do processualista Fredie Didier Jr.: “A jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial de realizar o Direito de modo imperativo e criativo (reconstrutivo), reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível. (...) A função jurisdici-onal tem por característica marcante produzir a última decisão sobre a situação concreta deduzida em juízo: aplica-se o Direito a essa situação, sem que se possa submeter essa decisão ao controle de nenhum outro poder. A jurisdição somente é controlada pela própria jurisdição.” (Curso de Direito Processual Civil, 17ª Ed. Salvador: Jus Podium, 2015, p. 153-163).

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