Por Denis Austin
O caso da Mada Araújo Asset Management no Porto de Itajaí
Após uma reviravolta de causar frio na barriga, a Mada Araújo Asset Management sagrou-se vencedora do processo seletivo simplificado (“leilão”) para exploração do terminal de contêineres do Porto de Itajaí (Superintendência do Porto de Itajaí) através de um Contrato de Transição.
A empresa havia ficado como 2ª colocada no certame e também fora desclassificada juntamente com a 1ª colocada (MMS Empreendimentos). Tudo indicava que o 3º colocado (@Teconnave Terminais de Containeres de Navegantes S/A) seria o vencedor, mas o recurso da Mada foi provido pela Diretoria da ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários .
Se é certo que a decisão ainda pode vir a ser questionada na esfera judicial, também é certo que houve uma inovação jurídica importante nesse Contrato de Transição em específico.
Ao invés de viger por 180 dias improrrogáveis, vale por 2 anos, entendido em sondagem de mercado como um prazo mínimo – minimalíssimo - para que o empreendimento se torne viável economicamente (tanto que o procedimento anterior com prazo menor deu vazio).
O que é e para que serve o contrato de transição?
O Contrato de Transição ou “arrendamento transitório” é um contrato que, originalmente, surgiu para dar alguma formalidade e garantir a continuidade da exploração de um terminal portuário entre o término de um contrato de arrendamento e a ultimação do procedimento licitatório de um novo arrendamento.
Finalidade muito sensata: impedir os prejuízos de tornar ocioso um terminal operacional apenas porque não se conseguiu fazer o procedimento licitatório a tempo. Dessa forma, também serviu para que o Poder Concedente ( @Ministério dos Portos e Aeroportos) e a ANTAQ sanassem algumas judicializações de terminais para permanência na área (se isso foi feito de forma amigável ou traumática é outra história).
Com a RN 07/2016-ANTAQ, surgiu a possibilidade de usar esse contrato também para áreas que já se encontravam ociosas, contratando com um novo player que não era o titular do último arrendamento. O requisito seria fazer um processo seletivo simplificado, uma espécie de minilicitação.
Limite temporal e fardo regulatório
Originalmente, apesar de discordâncias, a PFA defendeu que o fundamento legal do contrato de transição seria a contratação emergencial (Lei 8.666) e que, portanto, o prazo do contrato deveria ficar adstrito a 180 dias improrrogáveis ou até a ultimação do procedimento licitatório, o que ocorrer primeiro.
Como dificilmente se licita uma área nesse curto período, a cada 6 meses levas de contratos de transição são extintos e recelebrados todos os anos enquanto aguardam licitação. Situação que toma indevidamente o tempo e a energia das Autoridades Portuárias, dos arrendatários transitórios e da própria ANTAQ. Trata-se de um fardo regulatório.
Ora, um fardo regulatório consiste precisamente no custo adicional que é imposto a empresas, consumidores, autoridades e outros grupos relacionados (stakeholders) como resultado da imposição de uma determinada regulação.
Qual é a solução para esse problema?
A revisão constante do estoque regulatório com o objetivo de simplificar, desburocratizar e, principalmente, reduzir o fardo regulatório desnecessário e injustificável tornou-se um senso comum nos papers e manuais de organizações multilaterais tais como o The World Bank[1] e a OECD - OCDE[2].
Sobre o prazo de 180 dias do Contrato de Transição, alguns argumentam que serve para evitar um “uso indiscriminado” e “uma frustração do seu caráter transitório”. Entretanto, a cada 180 dias praticamente todo contrato de transição termina sendo renovado e depois novamente, novamente, até o fim do mundo se não sair licitação. Então, este argumento não parece correto.
Repare, não estou aqui defendendo que o contrato de transição deve ser perpetuado, desfigurando sua finalidade, até mesmo porque a situação transitória gera um desincentivo para o investimento – o empreendedor que não tem garantia de um prazo mínimo para exploração não investe ou investe arriscando e bem menos do que poderia se tivesse um prazo firme.
O que estou dizendo é que não é o prazo contratual que irá resolver o problema de falta de licitações. Fazer modelagens de leilões portuários é um processo complexo, que demora e depende de múltiplos órgãos. A solução para esse problema é robustecer a capacidade institucional da Agência, da Infra S.A. ou mudar o modelo de EVTEA para algo mais simples à semelhança de uma avaliação imobiliária – como alguns cogitam.
Se o prazo de 180 dias só serve para gerar retrabalho ou para aparentar o que não é, por que não fazer contratos de transição que, simplesmente, durem até a ultimação do procedimento licitatório?
Ou, melhor do que isso, no caso de terminais operacionais em que a transição se destina a impedir que o terminal se torne ocioso – portanto o mesmo operador permanece na área até a ultimação da licitação –, por que não prorrogar sub conditione o próprio contrato de arrendamento ao invés de celebrar um novo contrato de caráter precário a cada 6 meses?
Defendi isso em 2016 com base no Poder Normativo atribuído pela lei à ANTAQ, com base nos princípios da continuidade e da eficiência e em diversos precedentes do Tribunal de Contas da União[3]. De lá para cá alguma coisa mudou e aproveito para atualizar esses fundamentos.
Quais são os fundamentos para uma revisão normativa?
Alteração legislativa.
Em 2020, a Minirreforma do Setor Portuário explicitou na lei da ANTAQ que esta possui competência para “regulamentar outras formas de ocupação e exploração de áreas e instalações portuárias não previstas na legislação específica” (art. 27, XXIX, da Lei 10.233/2001 alterado pela Lei 14.047/2020).
Jurisprudência relevante.
No setor portuário, hás dois casos relevantes no TCU. No caso da @Marimex no Porto de Santos (Autoridade Portuária de Santos APS), o tribunal declarou que “renovar sucessivamente um contrato carrega maior grau de incerteza do que celebrar um único instrumento que contemple o tempo necessário à extinção do ajuste” e orientou a Agência a flexibilizar o limite temporal do contrato de arrendamento (Acórdão 1063/2021-Plenário).
No caso da @Transbrasa, também em Santos, o tribunal autorizou a SEP/PR a “prorrogar o Contrato de Arrendamento CA 007/91 pelo prazo estritamente necessário à realização do certame para novo arrendamento portuário, cujo início dos procedimentos deverá ser imediato” (Acórdão 650/2016-Plenário).
No setor elétrico, a partir da discussão sobre a prorrogação dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, a área técnica do TCU, ao se debruçar sobre o caso dos 36 (trinta e seis) contratos de concessão que já se encontravam vencidos desde 07/07/2015 e dos demais que venceriam até 2017 (totalizando 41 contratos), foi de posição no sentido de permitir às empresas concessionárias a continuidade da exploração dos ativos até que se ultimasse procedimento licitatório. Neste caso, ficou consignado no Acórdão 2.253/2015-Plenário, votado por unanimidade, não só manter os contratos vencidos e a vencer, mas admitir a sua prorrogação.
No setor de distribuição de alimentos, o Acórdão 2.050/2014-Plenário reconheceu a precariedade de 90% dos contratos de concessão de área celebrados pela CEAGESP - Companhia de Entrepostos e Armazens Gerais de Sao Paulo. e a impossibilidade de processar simultaneamente 4.800 licitações para regularizar a situação dos cessionários. Neste caso, o próprio TCU propôs a celebração de um contrato de transição.
No âmbito da rede lotérica, no Acórdão 925/2013-Plenário foi reconhecido o impacto econômico e social que decorreria de eventual rompimento de 6.310 contratos assinados entre a Caixa Econômica Federal e donos de lotéricas, neste caso, apesar de se reconhecer a ilegalidade da tentativa de prorrogá-los sem licitação por mais 20 anos, foi admitida a manutenção dos contratos por prazo considerado razoável para se efetivar as licitações, pouco superior a cinco anos.
Conclusão: se fosse como um TUP não precisaríamos estar discutindo isso
A ANTAQ tem dado passos positivos orientados ao alcance de uma regulação amadurecida pelo crivo do debate público e do diálogo institucional (Audiências e Consultas Públicas, AIR, ARR e a participação em eventos setoriais são marca disso). Mas será que não estamos apenas acrescentando a torre de babel regulatória toda vez que um ajuste precisa ser feito na regulamentação, por que uma outra norma criou um problema?
Tenho sempre defendido uma simplificação do arcabouço normativo dos arrendamentos portuários. Algo que se tornou possível especialmente após a Minirreforma do Setor Portuário de 2020: a lei quase que igualou os requisitos mínimos dos contratos de arrendamento e dos TUPs.
Se isso acontecer, discussões sobre se é bom ou ruim recelebrar contratos de transição de 6 em 6 meses ou, até mesmo, a conveniência / inconveniência de um alto nível de complexidade do processo licitatório de arrendamentos portuários serão uma página virada na história do setor portuário.
[1] PARKER, D.; e KIRKPATRICK, C. OECD. Measuring Regulatory Performance. Expert Paper No. 3, August 2012, p. 20.; e LOAYZA, N. V.; OVIEDO, A. M.; e SERVÉN, L. World Bank. Regulation and Macroeconomic Performance, September 2004.
[2] OECD. Overcoming Barriers to Administrative Simplification Strategies: Guidance for Policy Makers. Regulatory Policy Division Directorate for Public Governance and Territorial Development. 2009. Acessível em: https://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/administrative-simplification-and-reducing-burdens.htm
[3] Lucas Navarro Prado; Eber Luciano Santos Silva Eber Luciano. S.; GAMELL, Denis Austin. Contratos de Transição no Setor Portuário. Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, v. 33, p. 9-32, 2016.
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