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Regras para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro: a proposta de norma da ANTT - Parte 01: O procedimento a ser seguido



1. Introdução e premissas iniciais


Entre os dias 22/08/2024 a 05/09/2024, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) realizou reunião participativa[1] com o objetivo de discutir e receber contribuições sobre a proposta de instrução normativa que estabelecerá os procedimentos para tutela do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão rodoviária e para a aplicação de medidas mitigadoras de desequilíbrios nos referidos contratos.


Como já é amplamente conhecido, a garantia ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos decorre do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que assegura a manutenção das condições efetivas das propostas apresentadas na fase de licitação. Essa garantia constitucional foi reforçada em âmbito infraconstitucional pelas Leis Federais 8.987/1995, 11.079/2004 e 14.133/2021.


A nível regulatório, a ANTT concretizou a referida previsão constitucional na terceira norma do Regulamento de Concessões Rodoviárias (“RCR3” – Resolução ANTT nº 6.032/2023), ao estabelecer o direito das partes de exigirem a preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão rodoviária[2].


Embora a garantia ao equilíbrio econômico-financeiro, em abstrato, já seja amplamente reconhecida no âmbito da ANTT, não existem, atualmente, regras robustas e claras que disciplinem a procedimentalização dos processos de reequilíbrio ou o tratamento a ser conferido aos casos que demandam a adoção de medidas mitigadoras para resguardar a equação contratual até que os processos de reequilíbrio sejam ultimados. Com efeito, a Seção V da Instrução Normativa nº 18, de 9 de março de 2023, publicada pela ANTT, é insuficiente para disciplinar adequadamente o tema, o que gera insegurança jurídica. Em razão disso, a proposta de norma da ANTT busca regrar o procedimento a ser observado para a condução de processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão rodoviária, de modo a permitir uma gestão mais ágil e flexível desses pleitos, bem como garantir maior transparência, eficiência e segurança jurídica.


Considerando os temas abordados na norma em questão, o presente artigo se dividirá em duas partes: (i) a primeira, aqui tratada, em que será apresentado o procedimento que será observado para os processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão rodoviária; e (ii) a segunda, em que se discorrerá sobre as medidas para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro e as regras para sua aplicação, com maior enfoque para as medidas mitigadores de desequilíbrios.

 

2. Procedimento para solicitação


O procedimento para solicitação da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro previsto na proposta de norma abarca, em resumo, as seguintes etapas: (i) apresentação do pleito de reequilíbrio; (ii) avaliação preliminar de admissibilidade; (iii) avaliação jurídica; (iv) avaliação técnica final; e (v) deliberação pela Diretoria Colegiada da ANTT. Todas essas fases serão detalhadas a seguir.  

 

Etapa 01: início do processo


O processo poderá ser iniciado de ofício pela Superintendência de Infraestrutura Rodoviária (“SUROD”) ou mediante requerimento da concessionária (art. 5º).


Para os processos iniciados de ofício, a SUROD emitirá despacho, que conterá os seguintes elementos: a) a descrição pormenorizada dos fatos que ocasionaram o desequilíbrio econômico-financeiro; b) o fundamento contratual para recomposição; c) a estimativa preliminar dos impactos financeiros decorrentes do desequilíbrio identificado, com indicação de dados e metodologias utilizadas na estimativa, quando possível; d) as medidas propostas para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro; e) a indicação de aplicação das normas estabelecidas na instrução normativa; e f) as providências a serem adotadas para continuidade do processo (art. 5º, § 2º).


Para os processos instaurados mediante requerimento da concessionária, será necessária a apresentação de formulário à ANTT, contendo, no mínimo, os seguintes elementos: a) a descrição detalhada do evento ensejador do desequilíbrio, indicando o momento de sua ocorrência e demonstrando o nexo de causalidade com os impactos apontados; b) o fundamento contratual que justifica a solicitação de recomposição; c) a estimativa de variação de investimentos, custos, despesas ou receitas, resultantes do evento ensejador do desequilíbrio, com indicação das fontes de dados e metodologias utilizadas na estimativa; d) a documentação comprobatória dos fatos alegados; e) a proposta de aditamento do contrato, se for o caso; f) a sugestão da forma de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro; e g) outras informações e documentos que a concessionária julgar pertinente (art. 5º, § 3º).

 

Etapa 02: análise preliminar de admissibilidade pela SUROD


No caso de processos de reequilíbrio instaurados por iniciativa da concessionária, o pleito passará por uma análise preliminar pela SUROD, a qual englobará: a) a verificação da prévia apresentação do pleito, e, em caso afirmativo, o resultado da análise anterior; b) a verificação de informações sobre pleitos semelhantes que já foram analisados e se há alguma posição da ANTT sobre o tema ou sobre assuntos correlatos; c) a avaliação da extensão do pleito, isto é, se o pleito é individual ou se pode se estender a outros contratos, de forma direta ou reflexa; e d) a manifestação técnica sobre a admissibilidade do pleito, considerando os fatos narrados e comprovados pela concessionária, de forma sumária e não vinculativa (art. 9º).

 

Etapa 03: análise pela Procuradoria Federal


Após a análise preliminar da SUROD, o processo será encaminhado para a Procuradoria Federal junto à ANTT, que emitirá um parecer sobre a juridicidade e o preenchimento dos requisitos de admissibilidade do pleito (art. 11).


Aqui, a norma não foi clara sobre se somente os pleitos de reequilíbrio apresentados pela concessionária serão encaminhados para análise pela Procuradoria Federal, ou se aqueles instaurados de ofício pela SUROD também o serão. Para garantir isonomia na tramitação, bem como a verificação de atendimento de aspectos relacionados à legalidade e à admissibilidade do pleito, entende-se que ambos os casos deveriam passar por essa análise.

 

Etapa 04: decisão final de admissibilidade pela SUROD


Após o parecer jurídico da Procuradoria Federal, a SUROD decidirá pela admissibilidade e continuidade do processo ou pelo seu indeferimento sumário e respectivo arquivamento, sendo que da decisão de inadmissibilidade caberá recurso à Diretoria Colegiada da ANTT, no prazo de 15 dias (art. 12, caput e § 2º). Para os casos complexos, previamente à decisão de admissibilidade, a SUROD poderá convocar a concessionária para audiência ou consulta técnica (art. 12, § 1º).


Vale mencionar que o prazo para decisão da análise de admissibilidade é de 60 (sessenta) dias, nos termos do art. 19.

 

Etapa 05: análise técnica do desequilíbrio alegado


Admitido o processamento do pleito, a SUROD instruirá o processo, apurando os fatos e os impactos financeiros decorrentes do desequilíbrio. Nessa fase, a SUROD deverá: a) examinar a documentação apresentada pela concessionária e requisitar, caso necessário, a complementação de provas para a comprovação dos fatos alegados; b) realizar vistorias e inspeções in loco, caso necessárias, para verificar a veracidade dos fatos alegados e a extensão dos impactos; c) elaborar análise técnica detalhada, contendo a descrição completa dos fatos e circunstâncias analisados, a avaliação sobre a ocorrência ou não do desequilíbrio, a quantificação dos impactos financeiros decorrentes do desequilíbrio, a definição do valor a ser reequilibrado (se o caso), a proposta de recomposição e eventuais recomendações adicionais (arts. 13 e 14).


Entende-se que as exigências acima descritas se aplicam exclusivamente aos pleitos apresentados pelas concessionárias, não sendo aplicáveis, portanto, aos procedimentos de reequilíbrio instaurados de ofício pela SUROD. Isso porque o art. 5º, §2º, prevê que, nos casos de procedimentos de reequilíbrio instaurados de ofício pela SUROD, itens semelhantes deverão estar presentes no despacho inicial do Superintendente da SUROD, formalizando o início do processo. Ainda assim, seria recomendável explicitar, de maneira mais clara, que os arts. 13 e 14 somente se aplicam aos pleitos apresentados pelas concessionárias, para evitar futuras dificuldades na interpretação da norma.


No decorrer do processo, a concessionária poderá se manifestar sobre a análise técnica, devendo a SUROD considerar essa manifestação na elaboração da análise técnica final (art. 14, parágrafo único).


Por fim, cabe mencionar que a análise técnica e a decisão[3] deverão ocorrer no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, prorrogáveis por até mais 90 (noventa) dias, nos termos do art. 19, caput e parágrafo único.

 

Etapa 06: deliberação da Diretoria Colegiada


Concluída a análise técnica pela SUROD, esta submeterá o processo para deliberação da Diretoria Colegiada da ANTT, que poderá: a) aprovar integralmente a proposta de recomposição, autorizando a execução das medidas recomendadas; b) aprovar parcialmente a proposta, ajustando os valores ou medidas recomendadas, conforme necessário; ou c) rejeitar a proposta, fundamentando a sua decisão com base nas análises técnicas e jurídicas apresentadas (art. 15).


Da decisão da Diretoria Colegiada caberá pedido de reconsideração, no prazo de 15 (quinze) dias (art. 17).


Por fim, a proposta de norma prevê que os processos de reequilíbrio iniciados antes de sua vigência poderão, a critério da SUROD, seguir o procedimento nela estabelecido, desde que seja mais benéfico à celeridade e à efetividade do processo. Tal previsão gera dúvida sobre se os processos de reequilíbrio já instaurados à época da publicação da norma precisarão ser submetidos à análise de admissibilidade nela prevista. No entanto, durante a sessão pública da reunião participativa, a ANTT esclareceu que a aplicação da norma em processos de reequilíbrio já instaurados não poderá prejudicar atos anteriormente praticados. 


03. Considerações finais


Pelo detalhado acima, observa-se que a minuta de instrução normativa desenhou, de fato, um procedimento mais detalhado e robusto a ser adotado para os processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, diferentemente do regramento hoje existente no Capítulo V da Instrução Normativa nº 18/2023-ANTT. Apesar disso, observa-se que a norma não foi expressamente clara quanto à aplicação de várias das etapas a ambas as modalidades de pleitos de reequilíbrio – instaurados mediante solicitação da concessionária ou de ofício pela ANTT –, sendo recomendável conferir maior clareza quanto a esse aspecto.


[2] “Art. 80. As partes têm o direito de exigir a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, devendo a ANTT tutelá-lo de ofício.

Parágrafo único. Considera-se preservado o equilíbrio econômico-financeiro quando mantida a relação entre encargos e vantagens conforme definida pela proposta vencedora na licitação, observada a alocação de riscos”.

[3] Não está claro se a “decisão” diz respeito à deliberação final da SUROD ou da Diretoria Colegiada. No entanto, para garantir maior celeridade ao processamento do reequilíbrio, entende-se que o prazo de 180 (cento e oitenta) dias deve se referir à emissão da deliberação final da Diretoria Colegiada, haja vista que essa é a etapa final do procedimento previsto na proposta de norma.

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