1. Introdução
Os temas relacionados ao meio ambiente têm sido cada vez mais presentes na agenda do setor de rodovias federais, seja por meio de ações do Ministério dos Transportes (“MT”), seja por meio de ações da Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”).
O presente artigo visa a mapear o endereçamento da pauta ambiental referentemente ao setor rodoviário federal nos instrumentos de planejamento do MT e da ANTT, bem como as principais medidas implementadas neste ano de 2024.
2. Ministério dos Transportes
2.1. Planejamento
No âmbito do planejamento do MT, muito recentemente foi publicada a Portaria nº 737, de 02 de agosto de 2024[1], a qual aprovou o Planejamento Estratégico do MT e de suas entidades vinculadas para o período de 2024 a 2027. Dentre os seus eixos e objetivos estratégicos, encontra-se o de sustentabilidade, que visa a “assegurar a sustentabilidade como parte do processo de planejamento e governança da rede de transportes terrestres com foco em resiliência, mitigação dos riscos climáticos e atendimento a metas globais” (art. 4º, inciso IV, “e”), refletindo a preocupação da pasta com o tema ambiental.
2.2. Medidas adotadas
Alocação de recursos para desenvolvimento de infraestrutura resiliente, mitigação das emissões de gases de efeito estufa e transição energética
Primeiramente, cabe destacar a Portaria nº 622, de 28 de junho 2024[2], publicada pelo Ministério dos Transportes, a qual estabelece diretrizes para alocação de recursos em contratos de concessão rodoviária visando ao desenvolvimento de infraestrutura resiliente, à mitigação das emissões de gases de efeito estufa e à transição energética.
Pela Portaria, os novos projetos de concessão rodoviária deverão prever a alocação de, no mínimo, 1% da receita bruta da concessão para o desenvolvimento de infraestrutura resiliente, com o objetivo de reduzir impactos na infraestrutura rodoviária decorrente de mudanças climáticas (art. 2º). Ademais, os novos projetos de concessão rodoviária deverão conter ações relacionadas a) à busca por alternativas sustentáveis de coleta e descarte de recursos; b) às ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa; c) ao incentivo à eficiência energética e ao uso de fontes de energia renováveis; d) à conservação da fauna e da flora; e e) à mitigação de danos ao ecossistema (art. 3º).
Para além das regras aplicáveis aos novos projetos de concessão rodoviária, a Portaria nº 622/2024 estabeleceu que a ANTT deverá realizar estudo técnico para identificar as áreas vulneráveis e mapear as ações a serem tomadas para adaptação da infraestrutura rodoviária frente às mudanças climáticas, o que deverá ser feito por intermédio das concessionárias rodoviárias (art. 4º). Após a devida aprovação dos impactos tarifários pelo MT, a ANTT promoverá a adequação dos contratos de concessão vigentes para inclusão dos novos investimentos identificados como prioritários, respeitado o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (art. 5º).
Por fim, destaca-se que os novos projetos de concessão rodoviária e os estudos a serem realizados pela ANTT conterão a) incentivos para desenvolvimento de novas tecnologias para adaptação das infraestruturas a eventos climáticos extremos; e b) plano de resposta a emergências, com ações de acompanhamento, registro e enfrentamento de eventos climáticos extremos e de antecipação e prevenção de possíveis danos (art. 6º).
Instituição do Comitê de Infraestrutura Sustentável em Transportes Terrestres, Portos e Aeroporto
Foi publicada a Portaria Interministerial nº 03, de 17 de julho de 2024[3], que instituiu o Comitê de Infraestrutura Sustentável em Transportes Terrestres, Portos e Aeroportos, com a finalidade de promover, no âmbito do Ministério dos Transportes e do Ministério de Portos e Aeroportos, a implementação articulada de ações de sustentabilidade em infraestrutura (art. 1º).
O Comitê em questão terá competência para apoiar a implementação de ações relacionadas a) ao desenvolvimento de infraestrutura de transportes sustentável e resiliente; b) à obtenção de licenciamento e de regularização ambiental; c) à execução e à gestão de programas e de medidas compensatórias e mitigatórias de impactos socioambientais e de mudança no clima; c) à promoção da inclusão, diversidade e da participação social nas fases de planejamento e execução de obras de infraestrutura de transportes; d) à gestão das faixas e das áreas de domínio público; e e) aos procedimentos de deslocamento compulsório de pessoas, tais como desapropriações, realocações e reassentamentos, dentre outros (art. 2º).
Embora as atividades do Comitê não se restrinjam ao setor rodoviário, suas medidas serão importantes para este setor.
Emissão de debêntures incentivadas e debêntures de infraestrutura
Para além das normas mencionadas acima, ainda neste ano de 2024, o Ministério dos Transportes publicou a Portaria nº 689, de 17 de julho[4], disciplinando os requisitos e procedimentos para enquadramento e acompanhamento de projetos de investimento prioritários nos setores de infraestrutura de transportes rodoviário e ferroviário, para emissão de debêntures incentivadas e debêntures de infraestrutura.
Para fazer jus ao enquadramento, os projetos de investimento ou os contratos a que estejam associados deverão prever, também, investimentos em mitigação de emissões de gases de efeito estufa, transição energética ou implantação e adequação de infraestrutura para resiliência climática, com vistas à adaptação às mudanças do clima (art. 5º, I)[5]-[6], demonstrando a influência da pauta ambiental para a obtenção de recursos financeiros para o setor de rodovias – e, neste caso, também para o de ferrovias.
3. Agência Nacional de Transportes Terrestres
3.1. Planejamento
Na ANTT, são diversos os instrumentos de planejamento que mencionam elementos relacionados à preservação do meio ambiente. Em seu Plano Estratégico referente ao quadriênio 2022-2025[7], a Agência estabeleceu como um dos seus objetivos estratégicos a promoção da sustentabilidade econômica, social e ambiental, devendo a ANTT se dedicar ao desenvolvimento de práticas que contribuam, também, para a preservação ambiental. Para fins desse objetivo, inclusive, foi estabelecido o Indicador de Desempenho Ambiental de Rodovias, cujo objetivo é aferir a adoção de práticas de sustentabilidade pelas concessionárias de rodovias federais.
No Plano de Gestão Anual de 2024[8], por sua vez, um dos projetos estratégicos estruturantes previstos para o ano foi a disseminação dos objetivos de desenvolvimento sustentável no âmbito da Agência[9]. Já na Agenda Regulatória do biênio 2023-2024[10], os seguintes temas foram previstos: i) regulamentação das práticas da Agenda ESG (environment, social and governance) no âmbito dos contratos de concessão de rodovias e ferrovias; e ii) ESG Cargas – ambientação, social e governança no transporte rodoviário de cargas.
3.2. Medidas adotadas
Mesmo antes de 2024, diversas medidas relacionadas à pauta ambiental foram adotadas pela ANTT ao longo dos anos. São algumas das principais delas:
Revisão dos procedimentos para cálculo do Índice de Desempenho Ambiental das Concessionárias de Rodovias Federais, por meio da Portaria nº 376/2021-ANTT[11], o qual considera 13 indicadores para avaliação das concessionárias: a) política ambiental institucional; b) certificações ambientais; c) preservação da biodiversidade; d) ações sociais e educacionais; e) comunidade afetada em áreas sensíveis; f) mobilidade e acessibilidade; g) gerenciamento e redução de ruídos e emissões atmosféricas; h) uso da água; i) gerenciamento e redução de efluentes; j) gerenciamento e redução de resíduos sólidos; k) eficiência energética; l) infraestrutura resiliente; e m) fomento para o desenvolvimento tecnológico na área socioambiental;
Aprovação da segunda norma do Regulamento das Concessões Rodoviárias, por meio da Resolução nº 6.000/2022[12], no qual foi prevista a obrigatoriedade de implantação, pela concessionária, até o final do segundo ano da concessão, de Sistema de Gestão Ambiental (art. 7º). Referida norma, ainda, trouxe regramento relacionado ao acompanhamento ambiental e ao licenciamento das concessões (Capítulo V); e
Criação da Coordenação de Gestão da Sustentabilidade, por meio da Resolução nº 6.019/2023-ANTT, cujas competências envolvem: a) promoção de estudos e pesquisas relacionados ao desenvolvimento sustentável em transportes terrestres, inclusive sobre mudança do clima; b) interação com instituições para ações de fomento à sustentabilidade e à inovação; c) coordenação das atividades de sustentabilidade, de forma articulada com as demais unidades da ANTT; d) proposição e desenvolvimento de diretrizes, planos e ações voltados ao fomento da sustentabilidade; e e) apoio à Coordenação de Gestão Estratégica e Governança na elaboração, revisão e implementação de suas ações.
Todas essas providências já mostravam alguma preocupação sobre o tema ambiental no âmbito da ANTT nos anos anteriores. Abaixo, serão mencionadas as medidas referentes ao ano de 2024.
Plano Diretor de Logística Sustentável
A Deliberação nº 02, de 15 de janeiro de 2024[13], aprovou o Plano Diretor de Logística Sustentável para os anos de 2024 a 2027, cujos objetivos envolvem: a) o estabelecimento de estratégia para contratações e logística da ANTT, considerando objetivos e ações referentes a critérios e práticas de sustentabilidade; b) o alinhamento e o aprimoramento das contratações ao planejamento estratégico da ANTT e aos critério de sustentabilidade; c) a definição de diretrizes para promoção da gestão estratégica de recursos e a eficiência do gasto público nas atividades da ANTT, com foco no combate ao desperdício e na inserção de atributos de sustentabilidade; d) o aperfeiçoamento dos sistemas de monitoramento e dos indicadores de desempenho das ações de sustentabilidade; e) a orientação da elaboração dos planos de contratação anual, dos estudos técnicos preliminares e dos anteprojetos, projetos básicos ou termos de referência contratados pela ANTT; f) a disseminação dos conhecimentos e das práticas sustentáveis da ANTT; e g) o incentivo à inovação e ao desenvolvimento sustentável.
Após aprovação do Plano Diretor de Logística Sustentável, a ANTT instituiu sua respectiva comissão gestora, conforme Portaria DG nº 199, de 29 de julho de 2024[14].
Projeto ESG Cargas: Ambiental, Social e Governança no Transporte
Além disso, no dia 29 de abril de 2024, a ANTT realizou reunião participativa[15], em linha com a sua Agenda Regulatória, com o objetivo de colher sugestões sobre o relatório de Análise de Impacto Regulatório (“AIR”) do Projeto ESG Cargas: Ambiental, Social e Governança no Transporte. O objetivo da futura proposta será “aumentar a adesão às normas relacionadas ao transporte rodoviário remunerado de cargas em âmbito doméstico e diminuir a deficiência da regulação em evidenciar práticas ESG dos transportadores cadastrados do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas”, conforme consta do relatório de AIR.
Plano de Sustentabilidade para concessões da ANTT
Uma última medida deste ano de 2024 que merece destaque foi a realização de audiência pública, no dia 12 de junho, com o objetivo de colher contribuições sobre o Plano de Sustentabilidade[16] para concessões rodoviárias e ferroviárias federais, cujo objetivo será assegurar a conservação do meio ambiente, a proteção à biodiversidade, o respeito à dignidade humana e a manutenção da qualidade do serviço prestado (art. 2º da minuta de norma).
As diretrizes que guiarão o Plano de Sustentabilidade serão: a) promoção do equilíbrio ecológico, por meio da conciliação da infraestrutura de transportes concedida com a conservação do meio ambiente e da biodiversidade; b) promoção de impacto positivo e aferível na descarbonização do setor de concessão de infraestrutura de transportes terrestres; c) uso preferencial de incentivos regulatórios para fomento à adesão das concessionárias ao Plano de Sustentabilidade; d) promoção da resiliência da infraestrutura concedida frente aos eventos climáticos extremos; e) assertividade da gestão de riscos socioambientais; f) atuação no desenvolvimento social e amparo às comunidades lindeiras ou impactadas pela concessão; g) aprimoramento da formação dos servidores em questões socioambientais e em boas práticas relacionadas e promover a disseminação da cultura de sustentabilidade aos regulados e comunidades; e h) estabelecimento de normas e outros instrumentos afetos ao tema e que disciplinem as atividades cotidianas da Agência na promoção dos princípios norteadores do Plano de Sustentabilidade.
Tratamento nos contratos de concessão rodoviária
A pauta ambiental também evolui no âmbito contratual. Na minuta de contrato referente à Rota dos Cristais, rodovia que inaugurou a 5ª etapa do Programa Federal de Concessões de Rodovias, foram previstas uma série de disposições, a saber: a) inclusão de obrigação, para a concessionária, de cumprimento de práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa, em especial as previstas na Agenda 2030 e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (cláusula 27.1); b) previsão de um Programa de Resiliência Climática e Responsabilidade Socioambiental (cláusula 27.5); e c) inclusão de obrigação, para a concessionária, de implementação de Programa de Carbono Zero e atendimento a padrões do IFC[17].
4. Conclusão
Por todo o exposto acima, observa-se que os temas relacionados ao meio ambiente, incluindo práticas sustentáveis e de ESG, preservação ambiental e resiliência climática, têm sido recorrentes na agenda do Ministério dos Transportes e da ANTT, demonstrando o seu destaque nas discussões de política pública ministerial e regulatória. Ainda que parte das medidas envolvam outros setores de infraestrutura, como ferroviário, portuário e aquaviário, sua centralidade para as rodovias federais é inegável.
A equipe da Navarro Padro, Nefussi Mandel & Santos e Silva permanecerá acompanhando de perto as medidas relacionadas ao tema, apresentando contribuições que se fizerem oportunas, bem como incorporando as novas diretrizes que venham a ser instituídas nos projetos em que atua.
[1] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-737-de-2-de-agosto-de-2024-576304607
[3] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-interministerial-n-3-de-17-de-julho-de-2024-572918479
[4] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-689-de-17-de-julho-de-2024-572911488
[5] Além disso, deverão prever mecanismos de gestão do impacto da infraestrutura nos povos e comunidades afetados (art. 5º, II).
[6] Vale destacar que, nos termos do art. 28 da Portaria em questão, o enquadramento mencionado somente será exigível após 12 (doze) meses da vigência da Portaria, para projetos de investimento federais. Para projetos de investimento subnacionais, o enquadramento somente será exigível para contratos cujos editais tenham sido publicados após 18 (dezoito) meses da vigência da Portaria.
[7] Disponível em: https://www.gov.br/antt/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/plano-estrategico-e-plano-de-gestao-anual-pga/PlanoEstratgicoVersoFinal.pdf.
[8] Disponível em: https://anexosportal.datalegis.net/arquivos/1807552.pdf.
[9] Conforme item 17 do documento https://anexosportal.datalegis.net/arquivos/1856391.pdf.
[10] Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiN2Q3MTJlNDQtNjdiZi00YmFjLTg3MzAtNjhhZmRmYTk1MjRlIiwidCI6Ijg3YmJlOWRlLWE4OTItNGNkZS1hNDY2LTg4Zjk4MmZiYzQ5MCJ9
[11] Disponível em: https://anttlegis.antt.gov.br/action/TematicaAction.php?acao=abrirVinculos&cotematica=14489841&cod_menu=9233&cod_modulo=422
[12] Disponível em: https://anttlegis.antt.gov.br/action/TematicaAction.php?acao=abrirVinculos&cotematica=19091445&cod_menu=9233&cod_modulo=422
[13] Disponível em: https://anttlegis.antt.gov.br/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&tipo=DLB&numeroAto=00000002&seqAto=ATT&valorAno=2024&orgao=DG/ANTT/MT&codTipo=&desItem=&desItemFim=&cod_menu=5408&cod_modulo=161&pesquisa=true
[14] Disponível em: https://anttlegis.antt.gov.br/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&link=S&tipo=CMS&numeroAto=00000199&seqAto=ATT&valorAno=2024&orgao=DG/ANTT/MT&codTipo=&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=161&cod_menu=5408
[15] Disponível em: https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=564
[16] Disponível em: https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=571
[17] Este último, vale destacar, já havia sido previsto em concessões anteriores.
Comments