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Nova súmula do STJ sobre controle judicial de atos administrativos: aprimoremos a litigância nos processos sancionatórios de agências reguladoras!





Há algumas semanas, em 13/12, foi aprovada pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça a súmula nº 6651, por meio da qual se definiu que “o controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar restringe-se ao exame da regularidade do procedimento e da legalidade do ato, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo possível incursão no mérito administrativo, ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada”. 


Esta é, em verdade, apenas uma formalização de entendimento há muito difundido nos tribunais brasileiros e, em especial, no próprio STJ. Para este breve comentário, não se discutirá, assim, a possibilidade de controle judicial do ato administrativo, que é incontestável diante do amplo princípio da inafastabilidade da jurisdição, esculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal2

 

Tampouco se discutirá a impossibilidade de incursão, pelo juiz, no mérito administrativo, no que diz respeito aos atos administrativos discricionários. Apesar deste ponto ser objeto de certa controvérsia doutrinária, na jurisprudência, em especial do STJ, a direção praticamente uníssona vai no sentido de que esta incursão no mérito administrativo não é viável3. Esta é a linha que foi sedimentada pela edição da súmula nº 665. De fato, parece ser a tese que melhor se coaduna com o princípio basilar da separação dos poderes, o qual também é expresso na Constituição Federal, em seu art. 2º4


E do que tratará o presente artigo, portanto? O que não se vê nos comentários dos colegas sobre a súmula é o seu impacto, enquanto sinal concreto do posicionamento do STJ, na lisura e concretude dos processos administrativos sancionatórios. Este, precisamente, é o objeto deste artigo.  


Para tanto, trataremos de processos administrativos sancionatórios no geral, em analogia aos processos disciplinares, conforme consta da súmula. Mais especificamente, trataremos do dia a dia de contencioso administrativo perante as agências reguladoras, no exercício de seu papel fiscalizatório5. A escolha se dá, a uma, pela magnitude desta área, com centenas e centenas de processos instaurados, a duas, pela importância dos temas tratados, normalmente relativos à prestação de serviços públicos e, finalmente, pela similitude destes processos com os processos judiciais no que diz respeito à litigância. 


Ainda que o STJ tenha empregado temas abertos (e.g. “teratologia”), que podem gerar retóricas artificiais para “forçar” o envio de questões administrativas ao Judiciário, fato é que a sinalização do tribunal é clara: o controle judicial do ato administrativo é exceção, não regra. 


Essa mentalidade não é tão singela quanto parece. Usualmente, se nota que os players que se defendem em processos administrativos sancionatórios, no âmbito de agências reguladoras, comumente encaram a via administrativa como uma etapa burocrática irremediável, parte do iter necessário e esperado antes que se possa levar o tema ao Judiciário. Crê-se, frequentemente, na máxima de que a revisão da sanção pela própria agência, responsável pela autuação, é remotíssima e necessariamente dependerá de intervenção judicial. 


 Daí temos, normalmente, processos administrativos com defesas e recursos elaborados de forma muito singela, superficial. Na outra ponta, muitas vezes se observa também a falta de apreço do órgão público para decidir de forma bem fundamentada, com vistas a efetivamente tentar resolver a questão em definitivo. Não raramente, nesse contexto, as partes dedicam pouca energia ao processo administrativo, aguardando, ao que parece, o momento de discutir o tema judicialmente. 


Um exemplo claro deste raciocínio: elaboração de prova pericial em processos administrativos sancionatórios. Esta é plenamente possível, sendo possível citar, por exemplo, o art. 2º, parágrafo único, X, da Lei Federal nº 9.784/99 (Lei de Processo Administrativo Federal)6, que institui como obrigatória a observância, nestes procedimentos, da garantia do direito à produção de provas. O art. 38 da mesma lei determina que “o interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão (...) requerer diligências e perícias”7


Questiona-se: quantas provas periciais já foram vistas em processos sancionatórios no âmbito de agências reguladoras? A quantidade é ínfima. O que normalmente acontece é que a produção deste tipo de prova ocorra apenas quando a lide é levada à apreciação do Judiciário. 


Nesta mesma linha: quantos termos de compromisso pautados no art. 26 do Decreto-lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)8 são vistos para resolverem processos sancionatórios perante agências reguladoras? O número é igualmente ínfimo. 

Ora, o STJ, como um farol no nevoeiro, nos indicou o caminho: a via judicial é excepcional, subsidiária, responsável mais por corrigir ilegalidades. Por que insistir em tratar esta via como uma instância necessariamente posterior à seara administrativa? 


Do ponto de vista estratégico, a súmula nº 665 nos leva a refletir sobre como devemos usar a instância administrativa como uma efetiva via de resolução de conflito. Do ponto de vista da agência reguladora, significa instruir e conduzir o processo com vistas a garantir a maior lisura possível e sempre tendo em vista a real solução da lide, utilizando-se dos meios ofertados pela legislação para resolver a controvérsia. Pela frente dos particulares, significa atuar de forma robusta, utilizando-se de todos os meios de prova possíveis, definindo bem o mérito e tentando ao máximo finalizar a questão naquela via, tirando do Judiciário o foco do contencioso. No limite, neste cenário, se ainda assim for necessário encaminhar o assunto à via judicial, esta será muito mais eficiente ao tratar de um processo administrativo mais robusto, hígido e completo. 


Não é demais rememorar que a sanção administrativa em si pode ser conceituada como “a direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo, a ser imposta no exercício da função administrativa, em virtude da incursão de uma pessoa física ou jurídica num ilícito regularmente sindicável nesse âmbito”9. A penalidade, assim, não deve ter um caráter meramente punitivo, de castigo. Em verdade, deve apresentar "qualidade e quantidade (adequação, razoabilidade e proporcionalidade) compatível com a reprovabilidade do comportamento típico e antijurídico e/ou de seus efeitos"10


Não devemos, assim, encarar o processo administrativo sancionatório nem como uma mera via arrecadatória às agências reguladoras, nem como mero coliseu para que as partes se digladiem pura e simplesmente. Pela ótica da finalidade da sanção, também, há de se atuar sempre com vistas a resolver a lide.  


Isso também não significa ter uma visão romântico-utópica do processo como um meio para amizade das partes. Sim, há controvérsias; contencioso implica litígio e embate de pretensões. Sim, da fiscalização decorre, naturalmente, a instauração de processos sancionatórios. O que se afirma é que a via administrativa deve ser tratada com a seriedade que merece, com vistas à resolução de mérito da lide. Para a agência reguladora, é fiscalizar, decidir e instruir de forma fundamentada, proativa e eficiente, seja para manter a sanção ou não. Para o particular, é litigar de forma robusta, afastando penalidades impróprias, adequando-as à proporcionalidade ou firmando compromissos para prestação mais eficiente de seus serviços. 


Finalizamos, assim, incitando a reflexão. Aprimoremos a litigância e a condução dos processos administrativos sancionatórios. Tratemos esta via como um centro de possibilidades atinentes à resolução de controvérsias comuns à prestação de serviços. Aperfeiçoemos os entraves contenciosos nesta seara administrativa, não com vistas a levar as questões ao Judiciário, mas para resolvê-las, permanecendo a via judicial como instância subsidiária. Este é o real espírito da súmula nº 665 do STJ. 


1 A aprovação da súmula se deu no âmbito do Mandado de Segurança nº 19.995. 

2 "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

3 Apenas a título de exemplo, leia-se: “ADMINISTRATIVO. PAD. CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE ADENTRAR O MÉRITO ADMINISTRATIVO. DECISÃO DE ORIGEM QUE ENTENDEU A REGULARIDADE DO PAD. NECESSIDADE DE INCURSÃO EM SITUAÇÕES FÁTICAS ESPECÍFICAS. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. I - Na linha da jurisprudência desta Corte, o controle do Poder Judiciário no tocante aos processos administrativos disciplinares restringe-se ao exame do efetivo respeito aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sendo vedado adentrar no mérito administrativo. II - O controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos diz respeito ao seu amplo aspecto de obediência aos postulados formais e materiais presentes na Carta Magna, sem, contudo, adentrar o mérito administrativo. Para tanto, a parte dita prejudicada deve demonstrar, de forma concreta, a mencionada ofensa aos referidos princípios” (STJ - AgInt no RMS: 57805 PE 2018/0143783-7, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 06/09/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2018).

4 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

5 Apenas para ilustrar, no glossário do Senado Federal, assim consta a definição para o termo “agências reguladoras”: “instituídas sob a forma de autarquias de regime especial, são agências destinadas a regulamentar, controlar e fiscalizar a execução de serviços públicos transferidos para o setor privado por intermédio de concessões, permissões etc”. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/manualdecomunicacao/guia-de-economia/agencias-reguladoras#:~:text=Institu%C3%ADdas%20sob%20a%20forma%20de,interm%C3%A9dio%20de%20concess%C3%B5es%2C%20permiss%C3%B5es%20etc.

6 "Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio".

7 "Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo".

8 “Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”. 

9 FERREIRA, Daniel. Infrações e sanções administrativas. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/107/edicao-1/infracoes-e-sancoes-administrativas.

10 FERREIRA, Daniel. Op cit.



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