A Agência Nacional de Transportes Terrestres formalizou, recentemente, o primeiro acordo realizado pela Câmara de Negociação e Solução de Controvérsias (COMPOR), criada no início do ano. Na publicação a seguir, os advogados Renata Faria, Caio de Almeida Faria e Maria Clara Ferreira, do nosso grupo temático de Rodovias, analisaram seu funcionamento geral dentro de uma tendência consensualista no Poder Público.
Primeiro precedente de decisão consensual (Deliberação nº 124/2024/Procedimento de Negociação e Solução de Controvérsias nº 001/2024)
Mas como efetivamente funciona a COMPOR?
(Instrução Normativa Conjunta nº 1/2023, de 21/12/2023 – ANTT e PF/ANTT)
Visão geral e objetivo da COMPOR
Na Instrução Normativa Conjunta nº 1/2023, há disposições comuns a normas que lidam com soluções consensuais (e.g. dever de urbanidade, cooperação etc.). O objetivo é auxiliar a ANTT a construir a “melhor decisão administrativa”, em tese aumentando a segurança jurídica e diminuindo os custos da transação (art. 5º).
Composição da COMPOR
Membros permanentes (art. 8º): membros da Procuradoria-Geral da ANTT; Subprocuradores-Gerais, que atuarão como coordenadores; e membros das Superintendências de Transporte Ferroviário (SUFER) e de Infraestrutura Rodoviária (SUROD) - vide Portaria PF/ANTT nº 1/2024; e
Membros ad hoc: designados casuisticamente, com atuação específica em cada procedimento consensual (art. 9º).
Prazos (arts. 18, 28 e 31)
40 dias úteis (prorrogáveis por igual período, uma vez) para elaboração de proposta de solução consensual pela respectiva comissão. Tal proposta segue para relatório final da Diretoria Colegiada da ANTT (se forem necessários ajustes na proposta, o relatório complementar será emitido pela comissão em até 20 dias úteis). Formalização da solução por Termo de Consenso, assinado em até 5 dias úteis após a deliberação final da Diretoria Colegiada. Eventualmente, será necessária a assinatura de termo aditivo ao contrato, com base no termo de consenso, em até 90 dias. OBS: prazo geral bastante reduzido, o que pode ser um atrativo para se optar pela submissão de controvérsia à COMPOR.
O que pode ser submetido à COMPOR?
Questões relativas à interpretação, aplicação e alteração de cláusulas contratuais, dispositivos legais ou regulamentares e divergências de natureza eminentemente técnica que envolvam direitos patrimoniais disponíveis (art. 4º).
Inclusive demandas já submetidas às esferas judicial ou arbitral (art. 4º, § 1º).
O que não pode ser submetido à COMPOR?
Temas envolvendo (i) análise de defesa de entidade regulada em autuação ou recurso interposto contra decisão da Agência; (ii) processos com decisão definitiva de mérito, salvo quando passível de revisão (autotutela) ou se a questão estiver submetida a processo judicial ou arbitral; (iii) demandas que já sejam objeto de análise em órgão de consenso da Administração Pública Federal; e (iv) discussões teóricas, estabelecimento de teses e consultas jurídicas abstratas, exceto quando necessárias à análise do caso concreto (art. 6º).
COMPOR não é instância recursal (art. 6º, § 1º).
OBS: percebe-se preocupação da norma em deixar claro que a COMPOR não formará precedentes gerais, sendo a solução vinculante apenas para as partes (art. 29). Isso se coaduna com a natureza casuística do método consensual. Apesar de dificultar a análise de tendências decisórias da Agência pelos players envolvidos, pode propiciar solução customizada.
Juízo de admissibilidade pela Diretoria Colegiada
Análise do atendimento aos requisitos da Instrução Normativa e avaliação discricionária sobre a instauração do procedimento (art. 14, § 2º).
Havendo juízo positivo (art. 15): instaura-se o procedimento, suspendendo a prescrição e o trâmite de processos administrativos diretamente relacionados (excetuados processos indiretamente impactados). OBS: risco de possível entrave e de discussões quanto à suspensão de prescrição em processo cujo impacto indireto seja relevante.
Havendo juízo negativo (art. 16): imediato arquivamento do processo. Possível reapresentar o pedido caso seja saneada falha ou haja circunstâncias novas relevantes.
Encerramento sumário
Casos de ausências injustificadas do particular, omissão deste em fornecer informações ou expressa manifestação de vontade (art. 23).
Procedimento simplificado
A critério do Procurador-Geral da ANTT, para resolução de questões que apresentem menor complexidade ou que já tenham sido suficientemente debatidas (art. 40).
Neste caso, dispensa-se a formação de Comissão de Negociação, sendo o procedimento coordenado pelo PG/ANTT, por membros das Superintendências e por representante do particular (§3º).
E por que a consensualidade é importante na Administração Pública, especialmente em concessões?
Consensualidade prejudica a supremacia do interesse público e indisponibilidade deste?
Não. A tendência hoje é de que o princípio da supremacia do interesse público não pode prevalecer sobre todos os demais princípios, e, mesmo que isso ocorresse, não poderia se dar de forma absoluta, devendo ser sopesado caso a caso com outros princípios, dentre eles o da eficiência. Ponderação como vértice de aplicação do regime jurídico administrativo. Há, inclusive, precedentes internacionais (e.g. TUPA – Peru, banco de decisões/precedentes consensuais).
Art. 26 da LINDB
“para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial”.
Caráter peculiar e técnico dos conflitos, especialmente envolvendo REEF
Em se tratando de passivos regulatórios, há diversas peculiaridades técnico-financeiras envolvidas, as quais normalmente não são captadas pelas varas de Fazenda Pública nacionais, historicamente voltadas mais a um direito público mais clássico (principalmente temas envolvendo direito tributário, previdenciário etc.). A consensualidade é essencial para endereçar esses tipos de conflitos.
Comments