No dia 03 de junho de 2024, foi publicado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) o edital da concessão da Rota dos Cristais (BR-040/GO/MG), que inaugura a 5ª Etapa do Programa de Concessões de Rodovias Federais (“PROCROFE”). O PROCROFE é o Programa de Concessões de Rodovias Federais da ANTT.
Destacamos, no texto abaixo, as principais inovações da 5ª Etapa do PROCROFE e outros aspectos importantes da modelagem da Rota dos Cristais.
1. INOVAÇÕES DA 5ª ETAPA DO PROCROFE
1.1. COMPARTILHAMENTO DOS EFEITOS EXTRAORDINÁRIOS DOS RISCOS DE DEMANDA E DE VARIAÇÃO DOS PREÇOS DE INSUMOS
O contrato da Rota dos Cristais estabelece que os efeitos extraordinários dos eventos de risco relacionados exclusivamente à demanda e à variação dos preços de insumos serão compartilhados entre o Poder Concedente e a Concessionária.
Nos termos do contrato, a caracterização do efeito extraordinário será feita com base em tratamento estatístico, considerando a série histórica da variável impactada.
1.2. COMPARTILHAMENTO DE RISCOS RESIDUAIS
De acordo com o contrato da Rota dos Cristais, riscos residuais são eventos que impactam os custos para cumprimento do contrato e que não tenham sido expressamente alocados a qualquer das partes.
Diferentemente de contratos anteriores, que atribuíam exclusivamente à Concessionária riscos não listados expressamente na matriz, o contrato da Rota dos Cristais prevê o compartilhamento dos riscos residuais, da seguinte forma:
para impactos até o limite de 5% da receita tarifária bruta anual, o risco é alocado à Concessionária;
para impactos superiores a 5% da receita tarifária bruta anual, o risco é alocado ao Poder Concedente.
1.3. DISPOSIÇÕES SOBRE ESG (SOCIAL, ENVIRONMENTAL AND CORPORATE GOVERNANCE)
O contrato da Rota dos Cristais contempla cláusula específica dedicada ao tema de ESG, em que se exige que a Concessionária atenda às melhores práticas nacionais e internacionais, em especial as previstas na Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Nos termos do contrato da Rota dos Cristais, a Concessionária deverá apresentar, anualmente, certificado de inspeção emitido por verificador referente às práticas ESG. Em caso de não atendimento a determinada prática de ESG, a Concessionária precisará explicar os motivos que embasaram sua conduta (“pratique-ou-explique”) .
1.4. PROGRAMA DE RESILIÊNCIA CLIMÁTICA
O contrato da Rota dos Cristais impõe à Concessionária a obrigação de elaborar, às suas custas, o Programa de Resiliência Climática e Responsabilidade Socioambiental, que deverá ser revisado e complementado a cada 3 (três) anos.
De acordo com o contrato, as ações do programa serão implementadas pela Concessionária mediante autorização da ANTT, com recursos provenientes da conta de ajuste da concessão.
1.5. AMPLIAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DO INDICADOR DE INEXECUÇÃO ACUMULADA (IIA)
O contrato da Rota dos Cristais contempla o Indicador de Inexecução Acumulada (IIA), que tem por objetivo modular as obrigações da Concessionária, a depender de seu desempenho, durante toda a concessão.
Em contratos anteriores, o atingimento do IIA em determinado percentual somente era tratado como hipótese de decretação de caducidade. Já no contrato da Rota dos Cristais, o IIA também poderá gerar outras consequências, a depender do percentual apurado. Alguns exemplos são: (i) a limitação da distribuição de dividendos; (ii) a vedação à celebração de novos instrumentos com partes relacionadas; e (iii) a cessação do pagamento de juros e principal de financiamentos celebrados com partes relacionadas.
2. OUTROS ASPECTOS RELEVANTES DA MODELAGEM DA ROTA DOS CRISTAIS (ainda que não sejam inovações)
2.1. AMPLIAÇÃO DA RECLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA
O contrato da Rota dos Cristais prevê o aumento da tarifa em razão da conclusão de obras de ampliação de capacidade e de melhorias pela Concessionária.
Referido mecanismo também está presente em outras modelagens, como no caso do projeto recém-publicado da BR-381, por exemplo, e merece destaque por servir como incentivo para execução das obras por parte da Concessionária.
2.2. INSPEÇÃO ACREDITADA
Nos termos do contrato da Rota dos Cristais, a Concessionária deverá contratar um verificador acreditado como mecanismo de avaliação de conformidade, na forma da regulamentação do Inmetro. Segundo o contrato, o verificador será responsável pela inspeção de projetos executivos e de obras e serviços.
Conquanto muitos projetos de infraestrutura prevejam a participação de verificador independente, a exigência de acreditação pelo Inmetro não é tão comum e, por tal razão, merece destaque na modelagem da Rota dos Cristais.
2.3. MECANISMO DE MITIGAÇÃO DO RISCO DE VARIAÇÃO DOS PREÇOS DE INSUMOS
O contrato da Rota dos Cristais prevê mecanismo de mitigação do risco de variação dos preços de insumos, que tem por objetivo compensar parcialmente a diferença entre (i) os efeitos da variação do IRT (IPCA); e (ii) os efeitos da variação do ICR (calculado com base no IGP-DI).
Tal previsão atende a uma preocupação relevante do mercado, que muitas vezes sofre com variações muito elevadas dos preços de insumos.
2.4. MECANISMO DE MITIGAÇÃO DO RISCO DE DEMANDA
O contrato da Rota dos Cristais contempla mecanismo de compartilhamento do risco de variação da demanda, o qual será aplicável independentemente da causa da variação, a partir do 2º ano da concessão. Nos termos do contrato, é condição para aplicação do mecanismo a conclusão de, pelo menos, 90% das obras de ampliação de capacidade e melhorias previstas no PER.
O compartilhamento do risco de variação de demanda é muito comum em projetos de parcerias público-privadas, regidas pela Lei Federal nº 11.079/2004, mas é pouco usual em projetos de concessão comum, razão pela qual merece destaque na modelagem da Rota dos Cristais.
2.5. BUILDING INFORMATION MODELING - BIM
O contrato da Rota dos Cristais estabelece que a Concessionária deverá desenvolver o Plano Executivo BIM, a partir do qual serão elaborados e apresentados os projetos de engenharia.
A modelagem BIM permite a elaboração de projetos de arquitetura e engenharia integrados, possibilitando uma colaboração mais eficiente entre as disciplinas. Essa modelagem também vem sendo utilizadas em outros projetos de infraestrutura mais recentes.
2.6. RELATÓRIO DE SITUAÇÃO REGULATÓRIA
O contrato da Rota dos Cristais determina que a ANTT encaminhará aos financiadores, anualmente, relatório informando a situação regulatória da concessão, que deverá indicar: (i) estimativa de investimentos realizados pela Concessionária e ainda não amortizados; (ii) pleitos de reequilíbrio da Concessionária e eventos de desequilíbrio reconhecidos; (iii) apuração de fatores; e (iv) multas aplicadas pela ANTT transitadas em julgado.
Tal documento é de grande relevância para que os financiadores possam ter conhecimento mais detalhados sobre as condições reais da concessão, em termos regulatórios.
2.7. PROGRAMA DE CARBONO ZERO E PARÂMETROS IFC
O contrato da Rota dos Cristais estabelece que a Concessionária deverá implementar o Programa Carbono Zero, com o objetivo de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa provenientes de suas atividades de operação, a saber: (i) inspeção de tráfego; (ii) serviços de guincho e atendimento mecânico; (iii) ambulâncias; (iv) atendimento de incidentes (combate de incêndios e apreensão de animais); e (v) operação de praças de pedágio, do CCO e dos demais prédios administrativos geridos pela Concessionária.
Segundo o contrato, a Concessionária também deverá atender aos seguintes padrões de desempenho do International Finance Corporation – IFC: (i) PD1 - Avaliação e Gestão de Riscos e Impactos Socioambientais; (ii) PD2 - Condições de Trabalho e Emprego; (iii) PD3 - Eficiência de Recursos e Prevenção da Poluição; (iv) PD4 - Saúde e Segurança da Comunidade; (v) PD5 - Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário; (vi) PD6 - Conservação da Biodiversidade e Gestão Sustentável dos Recursos Naturais Vivos; (vii) PD7 - Povos Indígenas; e (viii) PD8 - Patrimônio Cultural.
Tais previsões reafirmam a preocupação da ANTT com temas socioambientais em projetos recentes.
Em conclusão, a 5ª Etapa do PROCROFE apresenta importantes inovações em relação às últimas modelagens de concessões de rodovias da ANTT, e também apresenta diversos aspectos bastante interessantes, que podem servir de inspiração para projetos de infraestruturas em outras esferas e setores.
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** Este material foi produzido pelo grupo de estudos de rodovias composto por Renata Faria, Caio Faria e Maria Clara Fernandes Ferreira
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