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Ferrogrão: inconstitucionalidade iminente

Por Lucas Navarro Prado.

Texto publicado originalmente no Blog do Fausto Macedo no Estadão.


O caso da Ferrogrão é riquíssimo para os profissionais voltados a projetos de infraestrutura. Escrevi algumas vezes sobre esse projeto e, mais recentemente, pude ilustrar o que chamei de "tentação do 'atalho' na modelagem de projetos de infraestrutura"[1]. Frequentemente, na ânsia de viabilizar no curto prazo um dado projeto de infraestrutura, o Governo acaba tomando decisões que, ao fim e ao cabo, apenas alongam o procedimento e geram desgaste.


É o que ocorreu no caso da Ferrogrão, quando o Governo optou por alterar o Parque Nacional do Jamanxim por meio de medida provisória, ao invés de passar pelo rito tradicional de aprovação de um projeto de lei no âmbito do Congresso Nacional. No final de 2016, apostou-se em uma tese sabidamente arriscada e, posteriormente, insistiu-se na tese mesmo após a propositura em 2020 da ADI 6553 - que apontava precedente contrário à possibilidade de alteração de parque nacional por meio de medida provisória - e o deferimento da liminar que suspendeu a realização de estudos sobre o projeto em março de 2021. Anos perdidos por conta de uma estratégia equivocada.


Felizmente, o Governo Federal se deu conta que era preciso desistir do "atalho" da medida provisória, como se viu na recente manifestação da Advocacia Geral da União ("AGU") encaminhada ao Supremo Tribunal Federal ("STF"), nos autos da ADI 6553. Ao reconhecer a inconstitucionalidade da lei que reduziu a área do Parque Nacional do Jamanxim, a AGU surpreendeu positivamente, pela ousadia e humildade de rever a estratégia, conquanto alguns supostos defensores da Ferrogrão tenham se mostrado desapontados. Ora, a AGU mais fez a favor do projeto da Ferrogrão ao reconhecer a inconstitucionalidade da lei - que, aliás, permitiu destravar os estudos a respeito - que as incontáveis manifestações de pressão política e midiática que tentavam curvar o STF a um entendimento contrário a precedentes dessa Corte, em afronta à segurança jurídica e que implicava um claro retrocesso socioambiental.


Feito o devido reconhecimento da acertada mudança de postura do Governo e da AGU, é preciso alertar para o risco, a julgar pelas declarações de algumas pessoas envolvidas na discussão, de uma interpretação enviesada em vista da última decisão do Ministro Alexandre de Moraes. Conquanto o último despacho do Ministro Relator tenha revisto a liminar anteriormente concedida e admitido a retomada dos estudos e dos processos administrativos que tratavam da Ferrogrão, deixou expressa a manutenção da "suspensão da eficácia da Lei 13.452/2017", i.e., a lei que alterava o Parque Nacional do Jamanxim, e, mais que isso, condicionou "qualquer execução [da Ferrogrão] à autorização judicial desta CORTE [o STF], para nova análise de todas as condicionantes legais, em especial as sócio-ambientais (sic.) ".


Não há dúvidas, portanto, de que a declaração definitiva de inconstitucionalidade da lei é iminente, bem como que o Governo continua sem autorização para a "execução" da Ferrogrão. Ainda que esse termo "execução" seja genérico, pode-se, concluir, pela leitura do inteiro teor do despacho, que o Governo por ora consegue apenas avançar com os estudos e processos administrativos, mas, em princípio, não tem permissão para licitar o projeto e, seguramente, não pode firmar sua contratação e iniciar sua implantação sem uma autorização prévia do STF.


O receio, nesse ponto, é que as autoridades governamentais envolvidas retomem os estudos e os projetos envolvendo a Ferrogrão, ignorando a iminente declaração de inconstitucionalidade, pleiteada pelo autor da ADI, antecipada pelo Ministro Relator - lastreada em precedente do STF - e já reconhecida pela AGU. Se isso vier a ocorrer, será mais um evento errático na trágica trajetória do projeto da Ferrogrão.


Nem se cogite que, ao encaminhar o conflito ao Centro de Soluções Alternativas de Litígios da Suprema Corte ("CESAL/STF"), o Ministro Alexandre de Moraes teria vislumbrado algum tipo de acordo para encerrar a ADI sem julgamento definitivo que confirme a inconstitucionalidade da referida lei. Não se trata de matéria sujeita a acordo. Uma lei é inconstitucional ou não é. Jamais seria objeto passível de transação. Assim, ninguém deveria esperar que o CESAL/STF, como que tirando coelho da cartola, sacasse uma solução jurídica para contornar a inconstitucionalidade da lei. Trata-se, aparentemente, de uma deferência do Ministro Relator aos defensores da implementação desse projeto, talvez para mitigar a crítica de que o STF seria responsável por a Ferrogrão não ter sido ainda implementada, diga-se de passagem, uma ilação absolutamente injusta, porque o STF não pode ser responsabilizado pela estratégica jurídica absolutamente equivocada adotada pelo Governo para esse projeto na sua partida.


Espera-se, assim, uma abordagem pragmática por parte das autoridades governamentais. Se realmente se pretende avaliar seriamente a Ferrogrão, é tempo de fazer as oitivas dos povos indígenas, com a profundidade e a deferência necessárias, observando-se rigorosamente os procedimentos e prazos dos protocolos estabelecidos e/ou negociados com esses povos. Ainda, será preciso atualizar e complementar o EIA/RIMA, dado que, em vista da pandemia, pelo que se tem notícia, não houve a devida coleta de dados primários. Por derradeiro, havendo a superação das referidas questões socioambientais, será preciso aprovar uma lei em sentido formal no Congresso Nacional, alterando a área do Parque Nacional do Jamanxim, pois, pelo que se pode depreender dos estudos atuais, não existe alternativa de traçado que não passe pelo referido Parque Nacional.



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