top of page
Foto do escritorNavarro Prado

Equipamentos privados de operadores portuários em área de uso comum de portos públicos: utilização e oportunidades de investimento

Por Denis Austin



Por que regular a utilização de equipamentos privados instalados em área comum dos portos públicos?


É desejável que um operador portuário possa incrementar o aparelhamento da infraestrutura pública implantando um equipamento novo no cais público, porque isso viabiliza ou incrementa a movimentação de cargas que de outra forma não ocorreria. Esses equipamentos costumam ser guindastes, ship loaders, ship unloaders, stackers e esteiras, principalmente associados a operações com granéis.


No entanto, como o equipamento está sendo instalado em uma área de uso comum, se não houver compartilhamento do equipamento com outros operadores / usuários, a área que era de uso comum converte-se em área de uso exclusivo.


A esse problema se emenda outro: se não for garantido ao operador que investe no equipamento um uso próprio mínimo ou uma remuneração pelo uso de terceiros que lhe garanta o retorno do investimento, ele não tem incentivo para implantar e, logo, não irá fazer o investimento. Ou pior, se já tiver feito o investimento e estiver em questão um acesso “expropriatório” do equipamento por terceiros, perderá o incentivo para fazer a manutenção e, em pouco tempo, o equipamento se deterioraria.


Disso surge a discussão sobre regular a utilização de equipamentos portuários de propriedade de operadores portuários que estejam fixados em áreas de uso comum dos portos públicos.


Portanto, a lógica da regulação sobre a utilização de um equipamento privado em uma infraestrutura essencial de uso comum é a seguinte:


  1. Possibilitar que sejam implantados, modernizados e expandidos equipamentos em áreas de uso comum dos portos, porque isso beneficia a logística portuária;

  2. Assegurar que haja o livre acesso à utilização do equipamento, porque este está em área de uso comum;

  3. Assegurar, igualmente, que o proprietário possa utilizar o equipamento e que, quando este for utilizado por terceiros haja justa remuneração.

  4. Assegurar que a utilização seja segura, eficiente, preserve os equipamentos e não prejudique o restante das operações portuárias


O dilema da regulação centralizada vs. descentralizada


Considerando as dimensões continentais do nosso país e os inúmeros portos existentes ao longo da costa e em hidrovias, um dos dilemas enfrentados é o de centralizar ou descentralizar a regulação do setor: obter uniformidade através de uma regulação centralizada ou garantir uma ampla flexibilidade para considerar particularidades locais através de uma regulação descentralizada?


Vale lembrar que, em 2012, houve bastante controvérsia no Porto Organizado do Espírito Santo, então administrado pela CODESA e atualmente gerido pela concessionária VPorts, acerca da utilização por terceiros de equipamentos privados localizados em cais público. Afora isso, houve litígios em outros portos sobre o mesmo assunto, como no Porto Organizado de Imbituba, à época administrado pela concessionária Companhia Docas de Imbituda e hoje administrado pela SCPAR.


Os litígios, via de regra, giram em torno de três temas: (i) vedação de acesso à concorrentes; (ii) abusividade dos preços; e (iii) ausência de capacidade técnica para utilizar o equipamento.

Originalmente, cada Autoridade Portuária estabelecia em seu próprio Regulamento de Exploração do Porto (REP) a forma e os requisitos para implantação de equipamentos privados em área comum e o regime de utilização comum.


No entanto, a partir dos problemas identificados, a ANTAQ decidiu estabelecer parâmetros mínimos a serem observados nessa matéria pelas Autoridades Portuárias em seus respectivos regulamentos. Esses parâmetros foram fixados na Resolução nº 03/2015-ANTAQ e tiveram como inspiração a Resolução nº 40/2011-CODESA. Atualmente, a matéria é disciplinada pela Resolução nº 50/2021-ANTAQ.


Quais são as diretrizes gerais para a utilização de equipamentos de operadores portuários?


A Resolução ANTAQ nº 50, de 23 de julho de 2021, estabelece diretrizes para a utilização de equipamentos de propriedade de operadores portuários por outros operadores em instalações de uso público não arrendadas na área dos portos organizados. Essas diretrizes devem ser seguidas pelas Administrações dos Portos na elaboração e atualização dos respectivos Regulamentos de Exploração do Porto (REP). Os regulamentos de exploração, por sua vez, seguem também o regramento mínimo da Portaria nº 245/2013-SEP. A norma não se aplica à locação de equipamentos por fornecedores que não sejam operadores portuários (art. 1º, §§ 1º e 2º).


Como deve ser feita a utilização de equipamentos de operadores portuários?


A utilização de equipamentos será feita nos termos do REP e do contrato entre as partes (art. 2º). O operador interessado deve apresentar uma solicitação ao detentor dos equipamentos com antecedência mínima de 15 dias da data de início da operação, acompanhada de uma minuta de contrato (art. 2º, § 1º). O operador interessado também deve comprovar que os equipamentos solicitados são compatíveis com a embarcação e a carga a serem movimentadas (art. 4º).


O detentor dos equipamentos deve avaliar a solicitação e responder ao interessado no prazo de até cinco dias (art. 2º, § 2º). As partes devem encaminhar à Administração do Porto uma via do contrato e eventuais aditivos, em até cinco dias após sua formalização, para conhecimento e acompanhamento (art. 2º, § 3º). A Administração do Porto pode determinar ajustes no contrato caso haja disposições prejudiciais à prestação de serviços ou descumprimento da legislação ou do REP (art. 2º, § 4º).


O que os operadores portuários devem apresentar à Administração do Porto sobre os equipamentos?


Os operadores portuários que possuem equipamentos passíveis de utilização por outros operadores devem apresentar à Administração do Porto uma relação completa desses equipamentos, informando suas quantidades e características operacionais (art. 3º). Essa relação será analisada e fiscalizada pela Administração do Porto, que poderá solicitar correções em caso de inconsistências (art. 3º, parágrafo único).


Em quais situações o proprietário dos equipamentos pode recusar sua utilização?


A recusa na utilização dos equipamentos por parte do proprietário é considerada legítima quando fundamentada em impossibilidades técnicas ou operacionais (art. 5º). A recusa legítima pode ser justificada pela incompatibilidade da carga ou da embarcação, ou pela indisponibilidade de capacidade estática ou dinâmica dos equipamentos, considerando a utilização eficiente (art. 5º, § 1º). A Administração do Porto pode propor à ANTAQ a adoção de outros critérios técnicos para justificar a recusa (art. 5º, § 2º).


Neste ponto, ressalta-se que a indisponibilidade de capacidade estática ou dinâmica dos equipamentos para caracterizar uma recusa legítima deve ser aferida dentro da janela temporal de operação solicitada pelo interessado, considerando a programação de utilização do equipamento.


Responsabilidade pela operação e padrões de desempenho


Salvo disposição contratual em sentido contrário, o proprietário dos equipamentos será o responsável por sua operação (art. 6º). Sobre os padrões de desempenho, o REP deverá estabelecer os padrões mínimos dos equipamentos que possam ser utilizados por outros operadores, bem como as formas de aferição desses padrões (art. 8º).


Como são definidos os preços pela utilização dos equipamentos?


Os preços a serem cobrados pela utilização dos equipamentos serão determinados por livre negociação entre as partes (art. 7º). No entanto, tendo em vista o controle de abusividade, os operadores portuários devem manter atualizada e disponibilizar à Administração do Porto a relação dos serviços regularmente oferecidos, com as respectivas descrições e preços de referência (art. 10º). Essa relação poderá ser utilizada pela Administração do Porto e pela ANTAQ quando for necessária arbitragem para resolver conflitos entre operadores portuários (art. 10º, § 1º). A tabela de preços de referência deverá ser apresentada anualmente ou sempre que houver reajuste ou revisão (art. 10º, § 2º). A Administração do Porto e a ANTAQ poderão utilizar os preços praticados em outros portos como parâmetro para resolver conflitos (art. 10º, § 3º).


Como se dá a resolução conflitos na utilização dos equipamentos?


Os operadores portuários poderão solicitar à Administração do Porto a solução de conflitos relacionados à utilização dos equipamentos, conforme o art. 4º, inciso II, do Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013 (art. 9º). Caso a Administração do Porto não atenda à solicitação ou o interessado não concorde com a decisão, a parte prejudicada poderá recorrer à ANTAQ (art. 9º, parágrafo único).


Uma lacuna relevante e uma oportunidade


Embora a norma trate da utilização, não há disposições sobre a autorização para implantação dos equipamentos. Isso não significa que o melhor lugar para se prever o assunto seja na regulação geral da ANTAQ. É uma questão que pode muito bem ser endereçada pelas próprias Autoridades Portuárias. No entanto, o ponto relevante é que a realização de um novo investimento em um equipamento para ser utilizado em área comum do porto pode enfrentar alguns desafios e desincentivos.


O principal deles é o de que a simples remuneração por terceiros pode não ser suficiente para garantir o incentivo adequado à realização do investimento. Muito provavelmente quem fará o investimento o fará tendo em vista a própria operação e uma certa expectativa de demanda própria. Se essa expectativa de demanda própria puder ser frustrada pelo fenômeno do “carona”, não haverá incentivo para utilização.


Dessa forma, poderia ser disciplinada uma forma de utilização própria mínima durante certo período de tempo para utilização do equipamento pelo respectivo investidor. Por mais que isso gere uma utilização prioritária, ainda sim é um cenário mais desejável do que não ter o investimento e manter a infraestrutura pública subutilizada.


Por outro lado, quando houver ociosidade do equipamento, o acesso a terceiros seria franqueado. Regras de programação e a devida fiscalização por parte da Autoridade Portuária podem garantir a transparência necessária para que não haja abusos.

Dessa perspectiva, a realização de novos investimentos não deveria ser obstaculizada por uma aplicação equivocada do princípio da igualdade, porque, sempre, quem investe se arrisca mais. E, por regra, o risco requer um retorno proporcional para que alguém se convença a tomar o risco. É preciso considerar que prioridade não é o mesmo que exclusividade e que todos os interessados poderiam ter se apresentado para fazer o investimento antes dos demais.


Referências


ANTAQ. Relatório nº 6/2021/GRP/SRG. Memória da Reunião Participativa de 27/05/2021. Processo SEI n° 50300.001270/2021-64. Brasília: ANTAQ, 2021. Disponível em: SEI/ANTAQ - 1339285 - Relatório. Acesso em: 08 out. 2024.


ANTAQ. Resolução nº 50, de 23 de julho de 2021. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 26 jul. 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-antaq-n-50-de-23-de-julho-de-2021-331978297. Acesso em: 27 set. 2024.

Comments


bottom of page