No exercício da competência que lhe foi atribuída pelo art. 4º-A, §1º, incisos IV, XII e XIII da Lei nº 9.984/2000, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA, publicou consulta pública para obter contribuições sobre nova norma de referência, a qual terá duração das 08:00 h do dia 15/08/2023 até às 18:00h do dia 28/09/2023.
A futura norma disporá sobre o estabelecimento de metas progressivas de universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como sobre o sistema de avaliação do alcance de metas.
Por se tratar de um tema relevante para o setor, é importante compreender o que está sendo proposto. Diante disso, a equipe da Navarro Prado, Nefussi Mandel e Santos Silva Advogados analisou a minuta apresentada pela ANA e trouxe os principais destaques da norma, conforme descrito a seguir.
1. Da prestação dos serviços de saneamento básico
Um dos primeiros pontos que vale destacar na proposta de norma de referência diz respeito ao monitoramento do alcance das metas de universalização.
Antes de abordar o tema, cumpre relembrar que o art. 11-B da Lei nº 11.445/2007, estabeleceu como metas de universalização dos serviços de saneamento básico o alcance do atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro 2033.
A minuta de norma de referência define que para monitoramento e avaliação do alcance das referidas metas serão avaliados somente os domicílios residenciais ocupados1, devendo se considerar para tanto a taxa média de habitantes por domicílio obtida no último Censo Demográfico ou Contagem de População ou Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (art. 12, caput e §3º).
Para monitoramento do alcance das metas de universalização, ainda, a proposta de norma prevê que os titulares dos serviços públicos de saneamento básico e as entidades reguladoras infranacionais deverão adotar sistema de monitoramento a ser alimentado pelo titular, ou, caso os serviços de saneamento básico estejam delegados, pelo prestador dos serviços (arts. 42 e 43), novidade que poderá ser positiva para a gestão e acompanhamento contratual mais precisos.
Uma última disposição relevante sobre o tema é o art. 21 da proposta de norma, o qual prevê a prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário como um princípio fundamental2, devendo ser observado na expansão da prestação dos serviços, bem como nos novos contratos.
Em seu parágrafo único, o artigo mencionado estabelece que os contratos regulares existentes que contemplem apenas um dos serviços poderão assim permanecer até o advento do seu termo contratual.
Uma primeira leitura conjunta dos dispositivos, especialmente considerando o previsto no parágrafo único, poderia levar à interpretação de que a prestação da totalidade dos serviços de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário deveria ser prestada por um único prestador, entretanto, essa interpretação não estaria de acordo com a Lei nº 11.445/2007.
A ideia principal de se colocar a “prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário” como princípio fundamental parece ser a de garantir que ambos os serviços sejam de fato ofertados, e não a de de restringir o modelo a prestação dos serviços a um prestador responsável por ambos os serviços.
Inclusive, a Lei 11.445/2007 prevê i) a continuidade da prestação de serviços de produção de água por empresas estaduais detentoras de outorgas de recursos hídricos, o que implica na prestação dos demais serviços de saneamento básico por terceiro; ii) a possibilidade de realização de parceria público-privada por prestador de serviços (art. 11-A); e iii) a possibilidade de interdependência entre atividades de prestadores distintos de serviços de saneamento básico (art. 12); isto é, reconhece a possibilidade de prestação dos serviços por prestadores distintos.
Com base nisso, vislumbra-se que a leitura do dispositivo deverá ser feita em linha com o previsto em Lei.
2. Do papel dos titulares
A proposta de norma prevê que os titulares deverão observar o cumprimento das metas de universalização em seus municípios de forma a garantir que, mesmo no caso de prestação regionalizada, as metas sejam atingidas também para cada município individualmente (art. 3º, parágrafo único e art. 12, §1º da proposta de norma e §6º do art. 11-B da Lei nº 11.445/2007). Essa previsão é especialmente importante para os casos de prestação regionalizada, pois deixa claro que as metas deveriam ser atingidas em cada município individualmente e não no bloco de regionalização como um todo.
Também na proposta de norma foi trazido dispositivo que prevê expressamente responsabilidades de os titulares: i) elaborarem/atualizarem planos de saneamento, estabelecerem metas e indicadores de desempenho e mecanismos de aferição de resultados; ii) estabelecerem plano de investimentos com metas de expansão dos serviços e cronograma para a universalização; iii) definirem entidade responsável pela regulação e fiscalização dos serviços; iv) delegarem/concederem a prestação dos serviços ou prestá-los diretamente; v) definirem parâmetros a serem adotados para garantia do atendimento essencial à saúde pública; e vi) estabelecerem direitos e deveres dos usuários (art. 13).
3. Do papel da Entidade Reguladora Infranacional
A entidade reguladora infranacional, nos termos da proposta de norma, será responsável por verificar o cumprimento dos planos de saneamento por parte dos prestadores dos serviços, na forma das disposições legais, regulamentares e contratuais (art. 15).
Ademais, será responsável por editar normas referentes a: i) metas progressivas de expansão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário e os seus respectivos prazos (art. 16); ii) responsabilidades e deveres dos usuários (art. 18); e iii) responsabilidades e deveres dos prestadores de serviços relativos à universalização3.
4. Do papel do prestador dos serviços de saneamento básico
Quanto às previsões relativas ao prestador de serviços, cumpre salientar que este deverá observar i) os contratos firmados com o titular; ii) o plano municipal de saneamento básico; e iii) os atos normativos da entidade reguladora infranacional (art. 19, §1º).
Nos casos de contrato de delegação de serviços precedido de licitação, a proposta de norma faz a ressalva de que os atos normativos emitidos pela entidade reguladora infranacional serão orientados pelo pactuado no contrato de prestação de serviços (art. 19, §2º), dispositivo que destaca a necessidade de que as normas regulatórias de agente regulador externo sejam interpretadas em acordo com a regulação estabelecida em contrato.
Por último, quanto ao prestador dos serviços de saneamento básico, para fins de acompanhamento das metas progressivas de universalização, aquele deverá fornecer informações para o titular dos serviços, para a entidade reguladora infranacional e para os responsáveis pelos sistemas de monitoramento do atendimento aos serviços públicos de saneamento básico (art. 19, §3º), de forma a possibilitar o acompanhamento do atingimento progressivo das metas previstas.
5. Da conexão dos usuários à rede
Um outro tema bastante relevante da proposta de norma de referência que merece destaque diz respeito às previsões relacionadas ao tema da conexão dos usuários à rede.
A minuta de norma estabeleceu que a entidade reguladora infranacional ou o titular deverá estabelecer prazo para que os usuários conectem suas edificações à rede, onde estiver disponível (art. 14). Referido prazo não poderá ser superior a um ano, contado da verificação da não ligação do usuário às redes disponíveis ou do início da operação da rede recém-instalada, sob pena de o prestador realizar a conexão mediante cobrança do usuário (art. 14, §1º da proposta de norma e art. 45, §6º da Lei nº 11.445/2007).
Ainda, reproduzindo o caput do art. 45 da Lei nº 11.445/2007, o art. 27 da proposta de norma trouxe que as edificações permanentes urbanas serão conectadas às redes públicas de abastecimento de água e esgotamento sanitário disponíveis e sujeitas ao pagamento de taxas, tarifas e outros preços públicos.
Somente no caso de ausência de redes públicas instaladas é que serão admitidas soluções individuais de abastecimento de água e de afastamento e destinação final dos esgotos sanitários, observadas as normas editadas pela entidade reguladora infranacional e pelos órgãos responsáveis pelas políticas ambiental, sanitária e de recursos hídricos (art. 29 da proposta de norma e §1º do art. 45 da Lei nº 11.445/2007.
Cumpre salientar que a entidade reguladora infranacional poderá estabelecer as hipóteses de utilização de métodos alternativos e descentralizados para os serviços em áreas rurais, remotas ou em núcleos urbanos consolidados, sem prejuízo da cobrança, com vistas a garantir a economicidade da prestação dos serviços (art. 30 da proposta de norma e art. 11-B, §4º da Lei nº 11.445/2007).
6. Dos indicadores de atendimento
Finalmente, um último aspecto da proposta que merece destaque diz respeito às previsões sobre os indicadores de atendimento.
No Título III da proposta de norma é previsto que os indicadores de atendimento deverão ser adequados para representar cada recorte do município, com vistas a i) contabilizar os domicílios residenciais ocupados do município em situação urbana e rural, com os diversos tipos de prestação dos serviços; ii) acompanhar o cumprimento das metas progressivas de atendimento; e iii) compor um indicador geral de universalização do serviço para o município que resulte do somatório dos indicadores de cada recorte característico de seu território.
Ademais, são trazidos parâmetros que deverão ser considerados para aferição dos indicadores de atendimento, importantes para monitorar o progresso no atendimento às metas de universalização.
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